Carta Aberta a População do Rio de Janeiro e do Brasil a favor dos Moradores do Horto Florestal

Os primeiros habitantes do Horto Florestal, no bairro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, foram   escravos africanos trazidos para o cultivo de cana e café, a partir de 1578. A estes se juntaram trabalhadores livres, na construção da Fábrica de Pólvora e do Jardim Botânico, iniciada por D. João VI, em 1808. Os descendentes destes escravos e trabalhadores pioneiros formaram o núcleo de nossa comunidade, que hoje conta cerca de 600 famílias.

Longe da cidade, sem transportes nem serviços, a Administração do Jardim Botânico lhes oferecia terrenos, próximos ao trabalho, e a licença para neles construírem suas casas, onde eles e seus descendentes viveram em paz com suas famílias, por décadas. Presenciaram e participaram da própria História do Rio de Janeiro, e do Brasil: Getúlio Vargas visitava o Horto, no dia da Festa da Árvore, Juscelino Kubitschek inaugurou, com sua mãe Julia, a
escola nomeada em homenagem a esta, para atender às crianças do bairro. Muitos trabalharam na formação da Floresta da Tijuca, e foram a força motriz a preservar o Jardim Botânico, como a verdadeira joia para nossa cidade que é até hoje.

Em praticamente qualquer país livre do mundo, a mera residência no local por tantos anos, sem tantas outras considerações históricas, sociais, morais e éticas, seria suficiente para assegurar aos moradores a plena propriedade de suas casas. Mas, com o crescimento do Rio de Janeiro, o Horto foi alcançado pela Zona Sul, a mais procurada da cidade, e a própria
vizinhança do Jardim Botânico tornou-se grande fator de valorização. Na ditadura militar, começaram as tentativas de expulsão dos moradores da área, tornada objeto de desejo dos ricos, assim como da rede de comunicação dominante do País, que lá se instalou em 1965, e é hoje a maior proprietária de imóveis no bairro.

Mas, felizmente para o povo brasileiro, nos últimos anos o ambiente político e jurídico-institucional mudou. Com base nos princípios democráticos da Constituição de 1988, foi há dois anos iniciado pela Secretaria do Patrimônio da União um trabalho sério, assessorado pela Faculdade de Urbanismo da UFRJ, visando à regularização fundiária da comunidade, com a conciliação de todos os fatores – ecológicos, sociais, e histórico-culturais. A partir daí, os poderosos interesses econômicos contrariados iniciaram uma feroz reação, cuja truculência chega agora ao auge. Para um império da mídia, que não reluta em deformar notícias e retorcer a verdade, é fácil convencer nossos concidadãos de que está em curso uma “invasão do Jardim Botânico”, o qual está sendo “favelizado”, e assim voltar massivamente contra nós bem-intencionados defensores da ecologia, e a opinião pública em
geral. Alvo constante de ataques injuriosos, de ofensas abertas, de mentiras deslavadas, não temos recursos financeiros que nos possibilitem a defesa, e as poucas vozes honestas que, na mídia e no Congresso, se erguem em defesa da verdade, e dos nossos direitos, são imediatamente abafadas, e seus donos vilipendiados.

Recentemente, foi alegado que o tombamento pelo IPHAN do Jardim Botânico, em 1938, e do conjunto arquitetônico do Horto, em 1973, “incluiria” a sua vizinhança, já então ocupada pela comunidade. Fato inédito: uma área tombada, não para preservá-la no estado em que se encontrava, cujo interesse histórico e artístico teria que justificar tal medida, mas para modificála num futuro distante, de acordo com projetos inexistentes à época. Inacreditavelmente, com base neste argumento ridículo o Tribunal de Contas da União determinou à SPU interromper seus procedimentos: um Ministro do TCU, em absoluto arrepio à dignidade que deveria se associar a seu cargo, nos comparou de público a “mendigos invadindo a Praça Nossa Senhora da Paz”, com grande estardalhaço na mídia.

Não há qualquer invasão ao Jardim Botânico, o qual nós seríamos os primeiros a defender. Sob este pretexto, e de uma fictícia necessidade de expansão, o que se pretende é levar a cabo uma “limpeza étnica e social” do bairro, para atender a interesses nada obscuros, porém inconfessáveis: destruir toda uma comunidade, apagá-la da história, para “melhorar” a vizinhança. Às autoridades, em todos os níveis, dos três Poderes do Estado democrático brasileiro, denunciamos este atentado covarde, insidioso e vil, à História, à verdade, à justiça, e aos direitos sociais e humanos de centenas de cidadãos brasileiros.

Aos nossos concidadãos, do Rio de Janeiro, do resto do Brasil, e de todo o mundo, pedimos: não se deixem levar pela força do dinheiro! Não sejam enganados, não se transformem em massa de manobra dos inimigos do povo, para servir aos interesses deles! Se puderem, venham aqui, vejam com seus próprios olhos a verdade: que não há invasão alguma do Jardim Botânico, fora das páginas de um jornal, e da tela de sua televisão. Conheçam de perto nosso bairro, as crianças que brincam, os idosos nascidos aqui. É um belo passeio, e
serão muito bem-vindos.

http://www.avaaz.org/po/petition/Carta_Aberta_a_Populacao_do_Rio_de_Janeiro_e_do_Brasil_a_favor_dos_Moradores_do_Horto_Florestal/?tugtxbb

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