Pedido de providências ao Poder Judiciário Gaúcho em virtude da efetivação de despejo aproximadamente 1500 pessoas da ocupação Campo grande situada no bairro Mario Quintana na cidade de Porto Alegre/RS.

Estimada Corregedora,

O Centro de Direitos Econômicos e Sociais – CDES Direitos Humanos é uma organização não governamental de direitos humanos, que atua em nível nacional pela promoção e defesa dos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais de comunidades vulneráveis e tem sede da cidade de Porto Alegre/RS. O CDES Direitos Humanos trabalha com uma visão estratégica dos direitos humanos, na perspectiva da sua efetividade, compreendendo ser importante a denuncia e a visibilidade das violações aos direitos, apostando fortemente na construção de alternativas de enfrentamento a essas violações e na busca pela garantia de direitos pelas vitimas das violações.

O CDES Direitos Humanos recebeu denúncia da efetivação de um despejo na cidade de Porto Alegre/RS, ordenado por Juiz de Direito, em plena vigência do Regime de Exceção nº 036/2016 editado por essa Corregedoria Geral de Justiça do RS.

No ato de realização do despejo, ocorrido no dia 19 de julho passado, foram deixadas sem teto 1.500 pessoas naquela região da cidade entre crianças, idosos, adultos e adolescentes.1 O despejo ocorreu com base em cumprimento de ordem judicial emanada do Juiz de Direito responsável pelo caso e operado pela Brigada Militar. A área estava abandonada há 40 anos, segundo relatos, e até a ocupação era utilizada para cometimento de crimes no local.

Segundo foi denunciado ao CDES ainda, o caso teria sido objeto de composição pelo CEJUSC no ano passado, conforme se verifica da reportagem anexa realizada pelo jornal SUL21, e do qual o responsável pelo cumprimento do acordo, o DEMHAB – Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre não procedeu nas ações as quais ficou responsável.

É importante referir que o CDES Direitos Humanos atua contra os despejos e sempre apoiou e apoia a iniciativa do Poder Judiciário Estadual do RS, em cumprimento às Resoluções do Conselho Nacional de Justiça – Fórum de Assuntos Fundiários – no sentido de encontrar alternativas aos despejos mediante a mediação dos conflitos fundiários urbanos. Todavia, não é possível concordar com a realização de despejos em pleno regime de exceção instaurado pela Corregedoria, e ainda mais com acordo realizado no CEJUSC e não cumprido pelo DEMHAB.

É do texto do Edital que instaurou o Regime de Exceção:

“PROMOVER A CONCILIAÇÃO ENTRE AS PARTES NOS PROCESSOS QUE VERSEM SOBRE “CONFLITO FUNDIÁRIO URBANO COLETIVO”, EM TRAMITAÇÃO NA COMARCA DE PORTO ALEGRE, REMETENDO EVENTUAL ACORDO PARA HOMOLOGAÇÃO PELO JUIZ NATURAL DO FEITO. SERÃO CONSIDERADOS PARA OS FINS DESTE EDITAL OS FEITOS SOBRE DISPUTA DE POSSE OU PROPRIEDADE DE IMÓVEL COM FINS URBANOS LOCALIZADO NA COMARCA DE PORTO ALEGRE, INDEPENDENTEMENTE DO ZONEAMENTO, BEM COMO OS CONFLITOS DECORRENTES DO IMPACTO DE EMPREENDIMENTOS PÚBLICOS OU PRIVADOS, ENVOLVENDO FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA OU GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS QUE NECESSITEM OU DEMANDEM A PROTEÇÃO DO ESTADO NA GARANTIA DO DIREITO HUMANO À MORADIA E À CIDADE. A ATUAÇÃO DA MAGISTRADA DESIGNADA ENVOLVERÁ PROCESSOS DE TAL TEMÁTICA, IMEDIATAMENTE APÓS A DISTRIBUIÇÃO E SEM APRECIAÇÃO DA LIMINAR, OU QUE CONTEM COM DECISÃO LIMINAR JÁ PRECLUSA OU COM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO COM DETERMINAÇÃO DE DESOCUPAÇÃO.”

Não é demais lembrar ainda que a defesa do direito humano à moradia digna encontra respaldo nas leis brasileiras e nos documentos internacionais de direitos humanos:

• O direito à moradia digna é reconhecido juridicamente como um direito humano fundamental pelos tratados internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é signatário e legalmente obrigado, com base também no artigo 6º da Constituição Brasileira.

• São componentes do direito à moradia adequada a segurança jurídica da posse, condições físicas de habitabilidade, o custo acessível, a acessibilidade, a adequação cultural, o acesso à infraestrutura e serviços básicos e a boa localização, no caso em tela significa o direito da população de baixa renda de construir suas moradas em área servida de infraestrutura e serviços, próximo às opções de trabalho, saúde e educação.

• É necessário que se cumpra os termos da Resolução nº 87/2009 do Conselho das Cidades que prevê a necessidade do poder público em todas as suas esferas impulsionar medidas de mediação de conflitos em detrimento a ações que possam acarretar mais conflitos ainda e com potencial de violar direitos humanos.

• Além disso, o artigo 2º da Lei Federal nº 10.257/2001 Estatuto da Cidade, preceitua que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes gerais, dentre elas: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

• De acordo com a legislação nacional e internacional os despejos ou remoções significam frontal violação ao direito à moradia, sendo, por esta razão, a última solução possível para a resolução de conflitos possessórios.

• A prática de despejos forçados ocorre quando há a remoção de pessoas ou grupos pessoas de suas casas contra sua vontade e constitui grave violação dos direitos humanos, em particular, do direito à moradia adequada, nos termos da Resolução 1993/77 da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. O Estado Brasileiro é signatário de todas as convenções relativas aos direitos econômicos, sociais e cultuais. • De acordo com a Constituição Federal, o direito à moradia é um direito social que deve ser implementado para erradicar a pobreza, mediante o desenvolvimento de políticas públicas. Essa obrigação pretende coibir medidas e ações que impossibilitem ou dificultem o exercício do direito à moradia. É responsabilidade do poder público a proteção ao direito à Moradia e a garantia de que os despejos não sejam levados à termo, mediante a utilização dos instrumentos jurídicos e políticos existentes no Estatuto da Cidade para que seja garantida a função social da propriedade.

• Solicitamos que sejam respeitados os tratados e convenções do sistema internacional, especialmente o Comentário Geral nº 4 e 7 do Comitê DHESC, de proteção dos direitos humanos, que são normas subsidiárias incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro, em razão do Brasil ser signatário destes tratados e convenções internacionais de direitos humanos.

Providências:

1. Seja oficiado ao Juízo de Origem e que foi responsável pelo cumprimento da ordem judicial de reintegração de posse para que informe se o DEMHAB manifestou-se nos autos sobre o cumprimento do acordo realizado no CEJUSC. E informe também qual a solução judicial prevista na decisão de cumprimento da reintegração de posse para as famílias despejadas e que ficaram sem teto.

2. Seja oficiado ao DEMHAB – Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre/RS para que comprove o cumprimento do acordo realizado e ainda dizer quais ações foram realizadas para acolhimento das famílias despejadas pela ordem judicial e garantia do direito à moradia digna.

3. Seja aberta mesa de negociação com o DEMHAB e SEHAB/RS para encontrarem uma solução de moradia digna para as famílias despejadas com a presença da Defensoria Pública Estadual através do NUDEAM e da Promotoria de Urbanismo, mediada pelo CEJUSC

4. Seja estatuído um Provimento pela Corregedoria Geral de Justiça do TJRS onde fique estabelecido um rito para a realização das mediações de conflitos fundiários urbanos e que consolide definitivamente o processo de mediação, contra os despejos e as violações aos direitos humanos dela decorrentes, vinculados a todos os processos judiciais que envolvam conflitos fundiários urbanos em curso no estado do Rio Grande do Sul, tais como: a. inspeção judicial na área; b. relatório de vulnerabilidade social das famílias ocupantes; c. oficiamento ao Município para informar o estado do imóvel frente ao IPTU e eventual apresentação de projetos; d. oficiamento ao cartório de Registro de Imóveis para apresentação de matrícula atualizada do imóvel; e. realização de tantas audiências quantas forem necessárias para se encontrar uma solução que beneficie as famílias em estado de vulnerabilidade social; f. participação obrigatória de representante municipal e estadual responsável pela política de habitação com apresentação de propostas concretas; g. participação obrigatória dos núcleos de moradia e urbanismo da Defensoria Pública Estadual e do Ministério Público Estadual; h. participação obrigatória de representante da Caixa Econômica Federal responsável pela política de habitação nacional; i. participação obrigatória de movimento popular de moradia com assento no Conselho Estadual das Cidades do RS; j. garantia de fala e manifestação das partes em igual poder de igualdade; l. garantia de assistência jurídica por advogado ou por defensor público aos Ocupantes;

Atenciosamente,

Cristiano Müller

CDES Direitos Humanos

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