No último dia 28 de novembro, moradores do 4º Distrito de Porto Alegre reuniram-se com representantes de movimentos sociais para a entrega do relatório Direitos Humanos e a Crise Climática no RS, elaborado por organizações como o CDES – Direitos Humanos, o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLN), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. O documento denuncia violações de direitos humanos agravadas pelas mudanças climáticas, incluindo a desterritorialização das famílias atingidas pela enchente de maio de 2024.

Os relatos dos moradores expuseram a falta de assistência pública e as pressões para que deixem a região. Marilene, 62 anos, moradora da Vila Dona Teodora, destacou a morosidade para receber qualquer auxílio e as dificuldades enfrentadas. “Fiz três cadastros para conseguir ajuda. Saímos com água até o peito, sem saber para onde ir. Ficamos em abrigos por 40 dias, mas até hoje faltam respostas concretas para reconstruir nossas vidas”, desabafou.

Luciana, moradora há 15 anos da Vila Areia e que hoje mora na ocupação Resistência, no centro de Porto Alegre, relatou que até hoje não recebeu o auxílio-reconstrução: “Outra família recebeu no meu lugar e ninguém resolve. Minha filha e meu neto viveram na região sem água ou luz por dias. O governo nos abandonou à própria sorte”, denunciou.

Desterritorizalização e especulação imobiliária

A tragédia climática de maio de 2024 no Rio Grande do Sul não apenas expôs a vulnerabilidade das comunidades pobres, mas também revelou estratégias de desterritorialização disfarçadas de políticas públicas. A entrega do relatório pelos movimentos sociais destacou que programas como o Compra Assistida têm sido utilizados como ferramentas de exclusão, forçando os moradores a deixarem seus territórios sob o pretexto do auxílio habitacional. Rodrigo Schley, morador da Vila Farrapos e representante da Associação Desabafa, criticou a prática: “O Programa Compra Assistida é uma estratégia que não prioriza a permanência das famílias e comunidades em suas regiões, que é uma luta histórica dos movimentos por moradia. Reivindicamos que as pessoas tenham direito de permanecer em seus territórios, onde já têm seus vínculos familiares, de trabalho, com o posto de saúde, com a creche e escola, e isso acaba se perdendo”.

Já o morador Paulo, da comunidade Campos Verdes, foi enfático ao criticar o uso do Programa Compra Assistida pela prefeitura de Porto Alegre, que, segundo ele, está sendo usado para retirar os moradores da área. “A enchente foi a desculpa perfeita para tirar a gente daqui. Querem acabar com qualquer projeto de habitação para abrir espaço para empreendimentos imobiliários”, acusou. Trabalhadora da Creche Comunitária Mundo Colorida, na vila Dona Teodora, Marilene diz que “muitas crianças não voltaram para a escolinha”, e que suas famílias saíram da região.  

Esse processo, associado à gentrificação climática, transforma áreas historicamente ocupadas por comunidades vulneráveis em espaços destinados ao mercado imobiliário. A ausência de políticas de urbanização e reparação habitacional amplia o desamparo, deslocando famílias inteiras para locais distantes e precarizados, onde perdem acesso aos serviços básicos e redes de apoio comunitário. O relatório alerta para a urgência de medidas públicas que garantam reparos nas residências e infraestrutura urbana nos territórios atingidos, combatendo tanto a desterritorialização quanto a especulação imobiliária que ameaça o direito à cidade e à dignidade dos moradores.

Propostas e reivindicações
Os movimentos sociais apresentaram o relatório como um instrumento de denúncia e de luta por reparação. Entre as propostas estão:

  • Criação de programas para reparos emergenciais nas casas atingidas;
  • Investimento na melhoria da drenagem urbana e na infraestrutura da região;
  • Garantia de que famílias permaneçam no território, preservando seus laços sociais e acesso a serviços essenciais;
  • Retomada das escolas, creches e postos de saúde afetados pela tragédia;
  • Planejamento urbano participativo para adaptação climática.

Relatório destaca falhas estruturais e recomendações urgentes

Durante a visita, foi apresentado o Relatório executivo das violações dos direitos humanos no contexto da crise climática, elaborado por diversas organizações, como CDES – Direitos Humanos, Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLN). A visita às cidades atingidas pelas enchentes e a entrega do relatório às comunidades contou com o apoio político e institucional da Fundação Rosa Luxemburgo.

O relatório apresenta 39 recomendações destinadas aos governos federal, estadual e municipais, além da comunidade internacional e da ONU. Entre as áreas abordadas estão:

  • Abrigamento e benefícios sociais: garantia de moradia digna e apoio financeiro adequado.
  • Acesso aos serviços públicos: água potável, saneamento e infraestrutura básica.
  • Informação e participação: inclusão das comunidades nos processos decisórios.
  • Moradia e reassentamento: programas que evitem a desterritorialização e priorizem os mais vulneráveis.
  • Prevenção de riscos: reconstrução de diques, sistemas de alerta e planos efetivos de proteção civil.
  • Assistência jurídica: suporte jurídico para reparação de danos e perdas.
  • Proteção ao meio ambiente: revisão das legislações que contribuem para o agravamento das mudanças climáticas.

O documento destaca que ações integradas e sustentáveis são essenciais para evitar que tragédias como essa continuem a se repetir. Para acessar o relatório clique aqui.

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